quarta-feira, 23 de maio de 2012

DISSERTAÇÃO - As cartas de Chico Xavier: uma análise semiótica (Download)

Resumo: Este estudo tem como objetivo compreender os processos de construção do éthos, concebido enquanto “imagem” ou “identidade” do enunciador, nas cartas familiares escritas por Chico Xavier e atribuídas a “autores espirituais”, sob a perspectiva da Semiótica greimasiana. Por meio da análise das cartas psicografadas, pretende-se demonstrar como a sua configuração semiótica (enunciva e enunciativa) permite caracterizá-las como um tipo de texto em particular, diferenciando-o dos textos epistolares “típicos”. O córpus analisado é composto de dez cartas psicografadas publicadas entre os anos de 1973 e 1980 e atribuídas a três autores: Augusto César Netto, Jair Presente e Laurinho Basile. Entre os conceitos que orientam as análises estão os de práticas semióticas, contrato fiduciário, presença e as relações entre éthos e estilo. O percurso analítico deste estudo inicia-se pela definição da carta como objeto semiótico. Para isso, foram adotadas as contribuições de Jacques Fontanille, na aplicação de uma hierarquia de níveis de pertinência semiótica. Essa hierarquia permitiu a delimitação do percurso da carta psicográfica, desde a sua prática geradora até a sua inscrição em outros objetos-suporte. As noções de práxis enunciativa, práticas semióticas e gênero auxiliaram a caracterização do gênero epistolar psicográfico, enquanto objeto produzido no interior da prática psicográfica epistolar. A sua articulação com a prática de edição, em um nível estratégico, revelou-nos de que maneira a intervenção do editor resulta na ressignificação do texto, inserindo-o, assim, no âmbito editorial. Após a análise do córpus, foi possível constatar que o texto epistolar psicográfico é caracterizado por um éthos dual e ambíguo, coerente com os valores que permeiam a prática da psicografia epistolar.

Palavras-chave: Semiótica greimasiana. Éthos. Psicografia. Cartas. Chico Xavier.

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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Carta de Jair Presente: "Falei mas não sei se disse"

Oi, Gente! Vocês aí, vocês mesmo, entocados nos bancos. Papai, minha mãe, Sueli, Carlos, Sérgio, Wilson e conexos.
Não coloquem a imagem desta mensagem no gibi de ensinar; isso é conversa de casa, fora da prensa de imprensa. Se eu não garanto já o jamegão (1) aqui deste modo, vocês estarão aí de olho cumprido e de espírito jururu. É duro isto, mas não fiquem matutando, encucados na idéia de que vou continuar assim; gíria não dá para nós, os que varamos o rio da mudança. Pedi favor para escrever assim, só para mostrar prá vocês que estou vivo, vivinho mesmo.
E quero dizer a meu pai que não fique de pensamento vidrado nas águas (2); se dei uma de peixe foi para nadar melhor. Fico abilolado quando meu pai começa a embarafustar na lembrança de Praia Azul. Papai tenha paciência. Voltei como vim. Não sabemos como é isso, não. Vamos deixar isso prá lá. Deus sabe tudo e em nossa moringa cabe somente alguma coisa.      Estou bem, estou melhorando, mas vou largar esse negócio de palavras giradas. Já saí da bananosa, começo a compreender que preciso educar meus impulsos. Educar impulsos é qualquer coisa de progresso. Não me lembro de haver dito isso, apesar dos livrocas que andei consultando. Isso quer dizer que já não me vejo com trutas que largam os deveres de mão para alfinetar o tempo e acabar com as horas.
Vocês aí!...Carlos que tu tás pensando? Não fique parado, não, depois de saber que o negócio não termina ali no meio das estátuas. Olhe rapaz, os dias vão correndo... Quando puder acompanhe minha mãe para dar serviço no serviço do bem (3).    Aqueles amizades nas panelas de sopa estão certos e os caras que somos nós, quando longe deles, é que ficamos nas risadas do já era. Trabalhar, meu amigo, trabalhar pelos outros.
Sempre acreditei que mendicância seria preguiça, conversa mole, mas o problema é diferente. Se temos de mudar qualquer coisa, temos de começar mudando a nós mesmos. E só existe uma transformação que vale a pena: ajudar os que precisam mais do que nós para que larguem de precisar.
Você e Sérgio, venham também.
Wilson anda arrepiado num medo fora de série (4), mas já veio. Está batucando sem passar por cima da verdade. O moço está querendo mesmo transar diferente. Muitas vezes ele me sente perfeitinho junto dele, mas e a paúra? Ele diz que deseja me ver, mas se eu pintar mesmo diante de vocês, já sei que sairão pirandelando por aí. Não conte com isso, não. Essa de parecer fantasma já era mesmo.
Só aqueles caras gamados com casa e comida é que ficam aí, às vezes, até procurando esquecer tudo com umas e outras. Mas vocês já sabem. Essa de pinga não cola (5).
Gostamos da vida e fomos irmãos de alegria e de esperança; no entanto, nada sabemos de trampar com essa ou aquela prisa. Fomos e somos rapazes decentes e porque largamos cabelos nas caras para não ficarmos caretas, isso não é motivo para sermos espíritos adoidados, querendo o que não se deve querer.
Wilson, tu tás abilolado a toa. Não pense que tudo aqui seja concedido de mão beijada. Prato feito acabou. Mentira não vale. Toda conquista pede tempo e suor, creio que mais suor do que tempo.
Mediunidade é transmissão. Tarei na onda certa? Creio que sim, embora não tenha as palavras para explicar. Vocês agora aí tão interessados em comunicação, saibam disto: cada um dá o que tem. Isto pode ser de coisa passada, mas é muito válido.
A gente aproxima do médium e quer falar, e aí temos de güentar o assunto, porque só falamos em dupla; o médium quando não tem muito exercício nos passa prá trás e fala na frente. Vocês ficam parados na fachada e esquecem a faixa em que nos achamos. Por isso, Wilson, é que nestes casos que hoje vemos é melhor que a cuca não fique botando banca. É hora do coração conversar. Não quero que você esteja santo, mas também não desejo que você fique esperto demais. Nem anjo, nem gato. Fique você mesmo e observe que a crista do problema é auxiliar outros para sermos auxiliados. Hoje vivo partindo para essas novas atitudes que me façam mais útil. Viver bem para encontrar o bem e ser melhor.
Se a gente morresse mesmo, era só seguir entre a preguiça e a rede; no entanto, a morte é uma passagem que parece aquela porta dos contos de fadas. Vocês abraçam a gente movimentando gritos e lágrimas e o cara não consegue falar bolacha. Estamos encantados pela bruxa que não se vê, mas posso dizer que é uma bruxa inofensiva, porque nem a vemos de leve. A morte chega e decerto bate aquela varinha em nossa cabeça; a gente dorme, acorda com vocês chamando e chamando, e aos poucos saímos do barro ou da pedra. O negócio é isso.
Quero que ocês todos fiquem aí até que o mofo espante vocês do saco de pele e ossos; peço a Deus que todos se arrastem de velhos, mas eu não sei se isso vai acontecer. De qualquer modo preparem-se, para vir algum dia. E saibam que só temos aqui o que damos e só sabemos o que colocamos por dentro de nós.
Em negócio de sexy, fiquem acesos para pensar melhor. Não brinquem com fogo, que o fogo nesse assunto queima muito mais do lado de cá.
O que vocês prometem cumpram (6).
E o que fizerem no campo dos tratos saibam tratar, porque o amor é uma luz que não aparece em querosene de papagaiadas de conversa furada.
Estão abrindo a boca perto de mim, creio que os amigos estão cansados. Já escrevi muito. E se continuasse, o papel necessário, não está apontado no gibi. Vocês não se impressionem com o que digo. Vivam corretos e tarão certos. Não dou para ensinar porque não sou santo. Desculpem.
Mamãe e papai, concedam aí uma bênçãos ao filho agradecido.
Sueli, acertemos tudo no coração para fazer o bem.
Vocês, meus cupinchas, não fiquem rindo, não. Coloquemos a cuca para jambrar e busquemos o que estiver certo; Carlos, Sérgio, Wilson e nossa amiga, favoreçam este espírito de rapaz supostamente afogado com os pensamentos bons, com o que puderem dar aí para mim; vou melhorar, estou caminhando e caminhando para frente.
Hoje, escrevi adoidadamente, mas voltarei com siso e juízo. Não posso empregar palavras mais fortes neste tchau e é preciso acabar esta carta antes da matina.
Recebam o maior abraço da paróquia.
Falei mas não sei se disse.

Jair

25 de agosto de 1974.



Comentários

Aqui os nomes citados já nos são familiares. Há que se acrescentar o Wilson e conexos, mencionados no início da mensagem.
Wilson Carlos de Lima, também amigo do Jair, estuda juntamente com o Sérgio na Fundação Pinhalense de Ensino.
Em sua fala descontraída de jovem alegre, aludindo a "conexos", Jair designa duas jovens de Campinas que se encontravam com o grupo na reunião.
Vamos, para melhor situar a mensagem, destacar fatos e pormenores de que Chico não tinha conhecimento algum.

1 - Jamegão como "falei", palavra muito usada pelo Jair.
2 - "quero dizer a meu pai que não fique de pensamento vidrado nas águas" - O pai de Jair, Sr. José Presente, contou-nos que muitas vezes, à revelia dos familiares, ia até a Praia Azul, para saber de detalhes ligados à morte do filho. Jair em sua carinhosa advertência pede ao pai que assim não proceda mais.
3 - Após a primeira mensagem de Jair, sua mãe passou a colaborar na instituição dirigida por D. Wandir Dias, o Movimento Assistencial Espírita Maria Rosa, conhecido como Casa da Sopa do Grameiro, bairro onde se localiza a Obra que oferece sopa aos necessitados.
4 - "Wilson anda arrepiado num medo fora de série" - fato confirmado pelo Wilson que afirma ver-se trânsido de medo muitas vezes, ao sentir a presença do Jair, como aliás o próprio Jair confirma na seqüência da mensagem, quando diz: "muitas vezes ele me sente perfeitinho junto dele, mas e a paúra?"
5 - "Essa de pinga não cola" - Advertência de Jair aos amigos Carlos, Sérgio e Wilson que contrariando os hábitos do grupo passaram a procurar nos goles de caninha o esquecimento da saudade que os torturava, após a morte de Jair.
6 - "O que vocês prometem cumpram" de fato, os jovens amigos de Jair, prometeram participar da sopa fraterna no Grameiro, em homenagem à memória do saudoso amigo, tão logo souberam que Jair havia dado comunicação através de Chico Xavier. Contudo, logo esqueceram a promessa e Jair veio lhes puxar as orelhas...

O fecho desta mensagem também identifica o estilo de Jair, quando "vivo". Aliás, outras palavras foram reconhecidas por sua irmã Sueli, como sendo de uso habitual pelo Jair. É o caso de "pirandelando", de uso incomum, que encontramos nesta mensagem e que, segundo Sueli, Jair usava habitualmente em casa.
Em sua correspondência epistolar numerosa, Jair falava muito em "antes da matina", (como fala no fim da mensagem), posto que suas cartas eram escritas geralmente às três ou quatro horas da madrugada. [Notas do editor Caio Ramacciotti].

FONTE:

XAVIER, Francisco Cândido. Jovens no Além. [Espíritos Diversos]. 24 ed. São Bernardo do Campo: Geem, 2005.  p. 114-117.